segunda-feira, 19 de julho de 2010

Oito meses e uma semana e a companhia de Elaine

― ...aí acabou. Ele me deixou naquele apartamento pequeno, que agora parece enorme. Com a minha cama vazia. Com as contas pra pagar. Com o vidro de pó de café pela metade, porque só ele gostava de café, eu tomava pra ele sentir o gosto do café em mim. Com a minha avenca, sem água, murcha. Murcha como eu.
― Imagina! Essas unhas bem feitas, esse batom vermelho...
― Se não me enfeitar pra vir aqui, nunca me enfeito, só venho aqui! Tá vendo? Não tenho motivação nem pra sair de casa, Elaine. Como um homem ousa tomar posse de mim de tal maneira? Uma posse que ele não tem mais e nem quer, mas eu sinto que é assim que deve ser. Eu sou dele e ele muito mais meu.
Eu também canso, sabia? Cansei várias vezes e nem por isso acabei. Já tem exatamente 247 dias que eu choro sem parar. Mas não espero mais.
― E se ele ligar pra você aman...
― Ele não liga. Ele não vem. Descobri nessa falta o que há anos minha tia Bernadete me dizia. Você sabe, já te falei sobre a minha falecida tia. Ela me dizia desde pequena que homem não presta e eu só quis saber de ver novela. Foram quase 27 anos me aconselhando enquanto eu só sonhava. Imagine Elaine, quase 27 anos perdendo tempo sonhando!
― Mas sonhar é...
― Sonhar o quê? O que eu ganhei sonhando? Um telefone, alguns frascos de perfume, lingeries, vários maços de cigarro e dois pares de scarpins. Isso é nada comparado ao tanto que eu me doei. Só agora sei que as cervejas que ele tomava com os amigos eram planos e as viagens a trabalho para Cuiabá eram idas à Bolívia. E mesmo sabendo disso o aceitaria de volta. Você acha que eu devia aceitar mesmo sabendo que ele não vem?
― Olha, eu acho...
― Ainda bem que eu tenho você pra conversar, Elaine. Não sei o que faria sem você nesses últimos tempos.
― Então, é que...
― Obrigada, tá? Muito mesmo. Porque além de você, só me resta ouvir Piano Bar e chorar minhas mágoas. Já sei, vou comprar um cachorro! Tem uma vizinha minha, a Carmem, que tem vários filhotinhos, ela nunca me ofereceu, mas não custa nada tentar. Provavelmente vou ficar devendo por um bom tempo porque já estou desempregada há uma semana, te contei?
― Não contou não. Mas...
― Pois é, não consegui entender o motivo. Mesmo com essa dor toda que ando sentindo acho que ainda conseguia produzir bem. Daqui a algumas semanas talvez eu nem possa te visitar mais, mas logo vou providenciar outro emprego, nem que eu ganhe menos, já que agora não preciso comprar tudo em dobro porque ele me deixou, infelizmente. A tia Berenice, irmã da tia Bernadete, disse que pode...
― O caixa já vai fechar!
― Mesmo, Elaine? Nem deu tempo de eu te contar o que houve comigo essa semana, depois que descobri que ele...
― E não temos troco.
― Tudo bem, amanhã eu volto, Elaine. Obrigada!

Funcionária do(s) Mês(es): Elaine

Um comentário:

Isabela disse...

Você sabe o que eu achei a respeito deste texto. Brilhante. Como você. E a áurea que esse blog está transmitindo.

Te amo, muito!